Falar abertamente sobre o suicídio, principalmente o de crianças e adolescentes, foi um dos pontos defendidos na audiência pública promovida nesta quinta-feira (11) pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). O objetivo da reunião foi aprofundar a discussão sobre o PL 1.773/2022 , projeto de lei que tramita no Senado que prevê a criação da Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes.
O autor do projeto é o senador Alessandro Vieira (MDB-SE). O requerimento para a realização da audiência foi apresentado pelo relator da matéria, senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Para Girão, o suicídio é um problema grave de saúde pública no Brasil e, por isso, são fundamentais a abordagem desse tema e a implementação de medidas preventivas eficazes, em defesa da vida. Ele ressaltou a preocupação dele com o vício em telas e jogos observado em muitas crianças e jovens do país. Ao chamar a atenção das famílias para o problema, o parlamentar alertou para o fato de que muitos pais, mães ou responsáveis deixam seus filhos na frente de aparelhos de televisão, tablets ou celulares sem acompanhamento e por tempo indeterminado. Ele observou que isso pode resultar em isolamento social e desencadear problemas como a depressão.
— A “pandemia” atual que enfrentamos é o suicídio, afligindo não apenas o Brasil, mas todo o mundo. Aqui no Senado Federal nosso papel é discutir e aprofundar o entendimento sobre o assunto e ver o que se pode fazer diante desse grave problema, que tem feito muitos brasileiros sofrerem. Vamos usar tudo o que for dito aqui nesta audiência para aprimorar nosso relatório — declarou Girão.
Representando o Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Márcia Aparecida Ferreira de Oliveira disse que é necessário desfazer tabus junto à sociedade e falar abertamente sobre o suicídio, especialmente entre os jovens. Ela mencionou ações do governo como o Programa de Volta para Casa, que abrange atualmente cerca de 4.100 pessoas. Esse programa oferece auxílio à reabilitação psicossocial e é destinado às pessoas acometidas por transtornos mentais, com histórico de internação de longa permanência em hospitais psiquiátricos ou de custódia.
— A gente precisa quebrar o silêncio e falar do suicídio de janeiro a janeiro, e não apenas em setembro, por ser o mês dedicado ao tema. O acesso a esses serviços e a esse tema precisa ser visibilizado, e isso cabe a nós. A gente precisa trabalhar em cima de uma educação permanente, criar uma cultura de paz e de empatia. Vale lembrar que a atenção primária [do Ministério da Saúde] está a postos, com profissionais capacitados que identificam sinais de risco e oferecem tratamento contínuo e adequado — informou ela.
O PL 1.773/2022, ao prever a criação da Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes, traz um conjunto de iniciativas no âmbito da esfera pública dedicadas à proteção e ao bem-estar psicossocial desse parcela da população.
A proposição traz diretrizes para a prevenção, a identificação precoce do problema e a intervenção; para promover a capacitação de profissionais da saúde, educação e assistência social para lidar com a questão; para fomentar a realização de pesquisas, estudos e campanhas de conscientização sobre o tema; e para criar mecanismos de monitoramento e avaliação das ações implementadas.
O projeto atualmente está em análise na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) . Depois, seguirá outras duas comissões do Senado: a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) — nesta última receberá decisão terminativa.
O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) lembrou que já existe uma norma abrangente, mas segundo ele ainda não implementada no país: a Lei 13.819, de 2019 , que instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Ele argumentou que o Senador poderia dar uma contribuição importante atualizando essa norma e construindo instrumentos que garantam o seu cumprimento.
— Poder-se-ia, inclusive, alterar essa lei para dar ênfase à criança e ao adolescente e cobrar do governo a efetividade dela. O suicídio está vinculado à depressão. E o adolescente sofre mais porque está sofrendo, por exemplo, o luto da transformação de seu corpo de criança, além de o jovem ser muito sensível a situações como o envolvimento com drogas — afirmou o deputado.
O representante da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo da Silva, também cobrou a execução da Lei 13.819, de 2019. Sancionada há cinco anos, a norma deveria ser implementada pela União em cooperação com os estados, o Distrito Federal e os municípios. Mas ele enfatizou que a norma ainda não está em operação.
— Essa lei contém tudo de que nós precisamos para ajudar nesse trabalho intenso contra o suicídio. Mas precisamos fazer com que a política de saúde mental dê acesso ao tratamento, porque todos os dias temos pessoas nos procurando por enfrentar esse problema. Espero muito que esse texto seja implementado adequadamente, de forma urgente.
A representante do Conselho Federal de Serviço Social, Alana Rodrigues, disse que a Lei 13.819, de 2019, é importante, mas para ela o projeto em análise no Senado trata a questão de forma mais abrangente e articula diversas políticas voltadas ao enfrentamento do suicídio de crianças e adolescentes.
— Essa parcela da população tem necessidades próprias, que diferem das necessidades dos adultos. Esse projeto [o PL 1.773/2022] é fundamental e deve, sim, articular as diversas políticas públicas e proporcionar um trabalho multiprofissional, para além dos trabalhadores da saúde — defendeu ela.
O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH, frisou que a lei de 2019 é relevante, mas observou que o PL 1.773/2022 traz um olhar mais aguçado para crianças e adolescentes. O senador reiterou que esse projeto pode aperfeiçoar a norma já sancionada.
Representando o Conselho Federal de Psicologia, Clarissa Paranhos Guedes manifestou a preocupação do órgão com o aumento de casos de suicídios entre crianças e adolescentes no país observado após o advento da internet e das redes sociais. A debatedora ressaltou, no entanto, que as ameaças existem também dentro das escolas, longe do mundo virtual.
Clarissa defendeu o diálogo entre as políticas já existentes, de modo a aproximar as famílias e os órgãos públicos. Ela sugeriu que Eduardo Girão acrescente ao projeto uma emenda para determinar que a eventual futura norma funcione em articulação com a Lei 13.935, de 2019 , que regula a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica.
— A articulação entre essas duas medidas pode ser um caminho seguro para se buscar cada vez mais a proteção integral das nossas crianças e adolescentes — avaliou.
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