Representantes dos setores de hotelaria e cultura defenderam nesta quarta-feira (11) a adoção de uma reforma tributária com regras simples e justas, que possam contribuir para a geração de renda, manutenção de empregos e segurança jurídica.
A defesa foi feita durante audiência pública interativa da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) que debateu os impactos da reforma tributária, realizada por iniciativa do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), presidente da comissão, e conduzida pelo senador Izalci Lucas (PL-DF).
A reforma foi promulgada em dezembro de 2023, como Emenda Constitucional 132 , e agora o projeto de lei complementar que regulamenta as mudanças e já passou pela Câmara está em discussão no Senado ( PLP 68/2024 ). O texto, ao qual já foram apresentadas mais de mil emendas, encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e vem sendo debatido nas últimas semanas na CAE.
O PLP 68/2024 detalha as regras de unificação dos tributos sobre o consumo, os casos de diminuição da incidência tributária e normas para a devolução do valor pago, conhecido comocashback. A regulamentação da reforma é uma exigência da Emenda Constitucional 132, promulgada em dezembro, que estipulou a substituição de cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo.
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), Manoel Linhares, a reforma tributária é essencial para a criação de uma norma justa e isonômica, e vem em um momento crucial para a modernização do sistema fiscal. Ele ressaltou, contudo, que a modernização só será verdadeira se não deixar para trás setores estratégicos como o turismo, que, segundo ele, movimenta 8% do Produto Interno Bruto (PIB), emprega milhares de brasileiros e mantém viva a economia de municípios pequenos, muitas vezes esquecidos pelas grandes políticas públicas.
— O turismo não está defendendo favores ou privilégio. O turismo pede justiça fiscal. O que que o setor defende é uma não oneração maior do setor. Pedimos segurança jurídica e simplificação. Para nós, a regra que veio da Câmara dos Deputados não está clara. A nossa regra de tributação diz que haverá um cálculo da alíquota que será uma razão matemática dos impostos pagos entre os anos 2017 e 2019, dividido no faturamento das empresas no ano. Ou seja, um cálculo totalmente confuso, que poderá dar mais judicialização para o setor de turismo e eventos. Se colocarmos no texto a redução de 60% da alíquota do IBS e da CBS, vamos manter uma proximidade com a carga tributária atual e teremos uma definição clara e segura de quanto IBS e CBS iremos pagar, apenas isso, uma solução simples clara, previsível para toda a sociedade e segurança para o governo.
Linhares acrescentou que o Congresso Nacional já reconheceu a importância estratégica do turismo, ao inserir na reforma tributária a possibilidade de regime específico de tributação para hotéis, parques, agências de viagem e alimentação fora do lar. O presidente da Abih ressaltou que essa norma dispõe que o turismo tem direito a um tratamento diferenciado e justo, e agora é hora de transformar essa previsão em realidade.
Presidente da Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta), Ricardo Dias disse que o setor reúne no Brasil quase 10 milhões de profissionais, de modo formal ou informal, visíveis e invisíveis, que se encontram distribuídos em mais de 50 segmentos, que movimentam bilhões de reais. Ele ressaltou ainda que o setor, que representaria 4% do PIB, atua como força motriz do turismo e impulsiona a cadeia de hotéis, restaurantes e todos os tipos de eventos sociais como casamentos e festas em todo o país.
— O IVA veio em um momento super favorável. A maioria dos nossos associados são do Simples Nacional e têm que passar por uma situação muito mais apropriada. No caso de um locador de gerador em um evento grande [como um show de rock], ele gasta 60 mil litros de óleo diesel, e ele já tributou. Ele já é um presumido ou uma empresa menor, um Simples Nacional. Então, fica bitributando e gerando uma situação desconfortável para os empreendedores do segmento. É óbvio que a gente tem uma transição grande, os nossos empresários precisam entender que o IVA vai ser bom para o segmento, mas ele precisa estar dentro de uma alíquota reduzida. O social emprega demais. A gente pede a inclusão do social, que não está [na reforma] — disse.
Mestre em direito tributário e advogada do Coletivo 215 (artes visuais), Daniella Galvão disse que a reforma é extremamente importante e, com certeza, vai beneficiar o Brasil como um todo, visto que deve reduzir a carga tributária em algumas cadeias produtivas. Ela apontou, no entanto, preocupações quanto ao impacto negativo no setor cultural, o qual, historicamente, conta com políticas fiscais para estimular o seu desenvolvimento, em consonância com o artigo 215 da Constituição, que garante pleno exercício dos direitos culturais, manifestação difusão das manifestações culturais e o acesso à cultura.
— Pelo viés tributário, como isso é colocado em prática? Isso é feito por meio de programas de incentivos fiscais que têm base em renúncia fiscal de ICMS e ISS, por estados e municípios. Além disso, existem isenções especificas que beneficiam o setor. No caso específico de artes visuais, quando o artista plástico vende uma obra de arte, a saída da obra de arte, de uma pintura ou de uma escultura, é realizada com isenção de ICMS, não tem tributação do consumo, ela vai ser tributada pelo artista no âmbito do Imposto de Renda. Quando essa operação é praticada por uma galeria de arte, existe também o benefício do crédito presumido do ICMS. A obra entra na galeria sem ICMS por que tem isenção, e, na saída, ainda tem o crédito presumido. Com a reforma tributária, esses benefícios estarão extintos. Estamos falando de um segmento que sempre foi beneficiado dentro da lógica de que o Estado incentivará o desenvolvimento da cultura e o acesso à cultura — lembrou.
Ao concluir sua exposição, Daniella solicitou ao Senado que faça as alterações necessárias para assegurar a aplicação do regime diferenciado ao setor artístico e cultural, retomando o que está previsto na própria Emenda Constitucional 132.
Economista e advogado especialista em tributação, Eduardo Fleury defendeu a manutenção de regime diferenciado para o turismo e destacou que, de 32 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Europa, há 28 países com alíquotas reduzidas para o setor, dos quais 20 apresentam alíquotas inferiores a 50 por cento da alíquota padrão, com média aritmética de 10,3. Ele apontou complexidades no formato do cálculo a ser adotado na definição da alíquota para o setor de hotéis, parques e resorts, prevista na reforma tributária.
— Esse formato é muito complicado. Seria muito mais tranquilo se a gente utilizasse uma redução da alíquota padrão do que utilizar essa redação, que dá possibilidade de diversas intepretações. Hoje, a alíquota reduzida em 60% já está em 11,2, porque a alíquota projetada seria de 28. Então, ao utilizar a alíquota reduzida em 60%, não só estaríamos muito próximos da carga tributária aqui calculada, mas também a gente estaria atendendo outro ponto, que é o “defeito” do IVA sobre o setor de turismo. A gente estaria sendo competitivo, porque, infelizmente, a gente tem uma guerra fiscal no setor de turismo. Mesmo em países que não têm redução, a alíquota padrão deles já é mais baixa. O centro da disputa é uma alíquota que vai em 10,5. É necessário que se dê um tratamento equiparado para poder competir com os demais países — afirmou.
Presidente do Sistema Integrado de Parques e Atrações Turísticas (Sindepat), Murilo Pascoal endossou o raciocínio de Eduardo Fleury e ressaltou que a economia da cadeia produtiva do turismo é cada vez mais relevante no Brasil e no mundo. Ele apontou que vários países têm investido no turismo, ao contrário do Brasil, onde o turismo representaria 8% do PIB nacional. Segundo Pascoal, o Brasil recebe somente 6 milhões de visitantes internacionais por ano; o país que mais recebe visitantes anuais é a França, com 100 milhões; e o México, que se assemelha ao tamanho do Brasil, recebe mais de 40 milhões de visitantes por ano.
— Para a gente conseguir fazer turismo crescer, é importante não criar dificuldade para o desenvolvimento do turismo, porque a decisão do turista é muito rápida e muito fácil. Você decide ir de um lugar para outro com muita facilidade, temos essa característica que deixa o tema mais volátil. Isso vale tanto para turista internacional como para o turista brasileiro, que, quando faz comparação com destinos internacionais, muitas vezes a condição é melhor. Essa distância pode aumentar. Nosso turista vai para o exterior, vai levar recursos para o exterior, daí a importância da redução da alíquota para 60%, para ficar mais simples do que a gente tem na redação atual [do projeto da reforma] — justificou.
O pleito quanto à necessidade de manutenção da carga tributária também foi reforçardo pelo representante de agências de turismo, Gustavo Tavares. Ele ressaltou que o aumento da alíquota poderá significar exportação de turistas, diante do aumento nos preços e da perda de competitividade do Brasil em relação a outros destinos, com consequentes prejuízos na geração de emprego e renda.
— Há cidades do Nordeste, principalmente, em que mais de 70% da população está ocupada no turismo. Então, se os destinos deixam de ser frequentados, isso impactará certamente no emprego e renda dessas pessoas e no desenvolvimento regional desses locais. O agenciamento turístico é um elo fundamental da cadeia turística porque conecta a demanda por serviços turísticos com a oferta desses serviços. No caso da aviação, 60% dos bilhetes são comercializados por meio das agências. No caso dos bilhetes internacionais, isso vai para 80%. No caso da hospedagem, mais de 50% das reservas são feitas por meio das agências de turismo. Nos cruzeiros marítimos, esse número é maior, 80% dos cruzeiros são comercializados pelas agências. Além disso, as agências têm o papel de tornar o turismo mais acessível, vendendo passagens que as pessoas podem dividir em até dez vezes. Se não fosse por isso, muitas famílias jamais teriam acesso ao turismo — concluiu.
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