Definida como a condição que faz o indivíduo não conseguir processar o açúcar presente no leite, queijo, iogurte e demais laticínios, a intolerância à lactose possui relação com a enzima que digere a lactose e pode variar inclusive conforme o período de consumo. Rejane Mattar, doutora em Microbiologia e Imunologia e médica assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica melhor as particularidades dessa restrição alimentar.
Rejane Mattar explica que os seres humanos são dos poucos animais que conseguem tomar leite após o período de amamentação e que possuir ou não a enzima lactase, que digere a molécula da lactose após o período de lactância é uma condição genética: “Nós nascemos com o gene que codifica a enzima lactase e ele está ativo durante o período de amamentação. Após o período de amamentação, existe um declínio fisiológico da atividade do gene da lactase, mas apareceram mutações, que nós chamamos de polimorfismos, e graças a esses polimorfismos o gene que codifica a enzima lactase permanece ativo. Chamamos essa condição de lactasia persistente”.
Um estudo da Universidade Federal do Paraná mostrou que a incidência da lactasia persistente também varia conforme a etnicidade: cerca de 90% da população asiática não possui os genes para digerir a lactose depois de adulto. A taxa cai para 75% entre populações africanas e é praticamente nula entre europeus nórdicos. Rejane explica que essa diferença surgiu de maneira evolutiva, por seleção natural: “Nos países que sempre foram muito dependentes do consumo de leite, o genótipo de lactasia persistente é muito frequente e existem diversas teorias para explicar isso. Uma delas é de que, em épocas de grande fome, aqueles que tinham o genótipo de lactasia persistente puderam tomar leite até a idade adulta e ter filhos, enquanto aqueles que tinham genótipo de hipolactasia não podiam usar o leite como alimento,” explica a médica.
Como o sistema digestivo de uma pessoa com intolerância à lactose não possui a enzima para digerir o açúcar do leite, restam às bactérias da flora intestinal fazerem esse trabalho. É nesse momento que surgem os gases e o desconforto: “Quando essa lactose chega no intestino grosso, a flora intestinal fermenta lactose, produzindo gases e ácidos orgânicos. É aí que essa pessoa vai ter sintomas de intolerância à lactose”, explica Rejane. Contudo, a manifestação dos sintomas depende da percepção visceral: algumas pessoas possuem o intestino mais sensível a gases, distensões e outras mudanças, e outras menos, e mesmo com hipolactasia não apresentam sintomas típicos de intolerância.
A médica conta que, por depender da ação da flora intestinal, os sintomas podem inclusive variar, conforme a frequência de consumo: “Quando a flora intestinal fermenta, ela produz os ácidos orgânicos e o pH intestinal fica ácido. Com pH intestinal ácido, há uma inibição da atividade bacteriana, então os sintomas de intolerância são flutuantes por causa disso. Se a pessoa estiver tomando antibióticos, a pessoa também pode tomar leite e não apresentar sintomas”, conclui Rejane.
A nutricionista Lara Natacci, pós-doutoranda em Nutrição pela Faculdade de Saúde Pública da USP, expõe que leite e laticínios possuem diversos nutrientes e que as opções zero lactose não possuem outra diferença significativa na composição nutricional: “O leite é um alimento bem completo em termos nutricionais e supre várias necessidades nutricionais do nosso corpo. Tem proteínas, tem carboidratos, tem alguns minerais como cálcio e fósforo, algumas vitaminas, vitamina A. Tem também alguns aminoácidos, inclusive a lisina, que é um aminoácido que é ausente nas proteínas de origem vegetal”.
O tempo de processamento do produto derivado do leite também interfere na quantidade de lactose: “O leite é mais rico em lactose que o iogurte, por causa de todo o processamento. O queijo também tem um pouco menos, então tem gente que tolera mais iogurte e queijo mesmo sem ser as versões sem lactose. Tem gente também que tolera até um copo de leite por dia, às vezes um pouco mais. Então, tudo depende da pessoa, não é um padrão para todo mundo”, completa Lara.
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