A criação de abelhas sem ferrão, também conhecida como meliponicultura, é uma prática cada vez mais comum e pode ser realizada por uma variada parcela da população. Ela aparece como uma alternativa à apicultura, que é a criação das tradicionais abelhas com ferrão. Michael Hrncir, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP, explica que existem cerca de 20 mil espécies de abelhas no mundo, das quais a maioria é solitária, ou seja, não formam colônias e, portanto, exigem que as fêmeas formem seus próprios ninhos para o depósito dos ovos.
De acordo com o especialista, as abelhas que se organizam em colônias e possuem divisão de trabalho são classificadas como eussociais, grupo no qual se encaixam as abelhas melíferas, ou seja, produtoras de mel. Ele afirma que a espécie mais conhecida de abelha com ferrão do País é a Apis mellifera, também chamada de abelha europeia ou africanizada. As abelhas sem ferrão, por outro lado, são parte de um grupo chamado Meliponini que conta com aproximadamente 600 espécies no mundo e têm como um dos exemplos no país a Jataí (Tetragonisca angustula), reconhecidas por serem dóceis e de fácil manejo.
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De acordo com o docente, uma das principais diferenças entre as espécies de abelhas com e sem ferrão no país é a origem, pois, enquanto as sem ferrão são nativas do território brasileiro, as Apis mellifera foram introduzidas aqui pelos seres humanos. Por volta do ano de 1840, um padre chamado Antônio Carneiro incentivou a importação de algumas colônias de abelhas oriundas de Portugal e Espanha, as chamadas abelhas europeias, as quais encontraram dificuldades na adaptação ao clima tropical.
Durante a década de 1950, as abelhas do país enfrentavam problemas com pragas, por isso, o geneticista e professor universitário Warwick Kerr trouxe da África cerca de 50 indivíduos da espécie Apis mellifera scutellata, mais resistente e produtiva, porém mais agressiva. Hrncir explica que os animais trazidos por Kerr escaparam do viveiro onde estavam, na cidade de Rio Claro, e passaram a se reproduzir com as abelhas europeias dando origem às chamadas abelhas africanizadas, espécie que se espalhou por toda a América.
“Então a Apis mellifera é uma espécie que tem um alto potencial de sucesso ecológico, são altamente invasivas, além de serem muito mais eficientes em vários fatores do que as abelhas sem ferrão. A parte interessante é que as abelhas sem ferrão, mesmo sendo nativas brasileiras, são muito menos conhecidas do que as Apis mellifera e isso, logicamente, relaciona-se à parte histórica e econômica”, destaca Hrncir.
Segundo o especialista, existe uma série de outras diferenças entre as abelhas com e sem ferrão, como na atuação das rainhas, por exemplo. Enquanto a rainha das Apis mellifera, após fecundada, pode gerar uma nova colônia junto com algumas operárias a partir do depósito de ovos nos favos da colmeia, a rainha das abelhas sem ferrão têm um volumoso aumento no abdômen e precisa ficar dentro da colônia devido à perda da capacidade de voar.
O professor conta que existe também muita variedade de tamanho entre as espécies e, no caso das Apis mellifera, existe um outro comportamento particular que é conhecido como a famosa danças das abelhas. Ele explica que uma abelha desse tipo, ao se deparar com uma fonte de comida, retorna à colmeia e através dos movimentos corporais consegue informar às outras operárias a direção do alimento em relação ao posicionamento do Sol.
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Apesar de ambas as espécies de abelhas serem produtoras de mel, cera e outros subprodutos, existem particularidades no cultivo entre elas, a começar pelo nome: enquanto a criação de Apis mellifera é chamada de apicultura, a de abelhas sem ferrão é conhecida como meliponicultura. O professor conta que as Apis mellifera são mantidas e cultivadas pelos humanos há pelo menos 4 mil anos, portanto existe muito mais conhecimento acumulado sobre a apicultura em detrimento à meliponicultura.
Hrncir afirma também que muitos dos produtores optam pela apicultura pela questão de produtividade, uma vez que uma colmeia de Apis Mellifera gera uma quantidade de mel extremamente maior do que uma colônia de abelhas sem ferrão. Por outro lado, o especialista destaca que o mel obtido da meliponicultura possui propriedades físico-químicas particulares, o que resulta em sabor e aroma mais suave, além de menor teor de açúcar. Devido a isso, o produto das abelhas sem ferrão é mais valorizado no mercado e é mais caro do que o obtido através da apicultura. “Um litro de mel de abelha sem ferrão custa muito mais no mercado do que um litro de mel de Apis mellifera”, destaca.
“Mas um desafio da meliponicultura é que não existe um padrão de como manter essas abelhas, porque cada Estado tem a sua espécie dominante daquela região e para cada uma delas tem que inventar a roda de novo, desenvolver técnicas diferentes. Cada espécie gosta de um determinado tipo de caixa, então pode preferir caixas mais altas, mais baixas, mais estreitas, mais largas. Aqui no Brasil existem cerca de 20 modelos de caixas para elas”, conta.
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De acordo com o professor, por oferecerem menos riscos, as abelhas sem ferrão são uma ótima opção para serem manejadas por mulheres e pequenos agricultores que desejam conseguir uma renda extra. Ele conta que as pessoas na meliponicultura não utilizam espécies agressivas, portanto são atividades que podem ser executadas até mesmo por crianças, as quais podem experimentar uma possibilidade única de ter os primeiros contatos com insetos.
Conforme o docente, em muitas comunidades rurais no Nordeste ou de países como o México, em que frequentemente a estrutura familiar exige que as mulheres estejam em casa para os maridos trabalharem fora, existe a possibilidade para que elas tenham espaço em suas propriedades para cuidar de colônias de abelha sem ferrão.
“Se elas cuidarem bem até podem ganhar um aumento de renda com a meliponicultura, porque conseguem vender o mel e acrescer na renda familiar como um todo. Essas mulheres têm maior independência nessas comunidades tradicionais e rurais do que tinham antigamente, então a meliponicultura nesse caso também pode trazer outros benefícios sociais”, explica.
Para o professor, esses insetos possuem uma grande importância para a manutenção da biodiversidade através da polinização das plantas. Ele conta que, ao contrário da Apis mellifera, muitas das abelhas sem ferrão são relativamente restritas a um determinado local e, ao longo do tempo evolutivo, se adaptaram às plantas que existem nesse lugar.
“As abelhas sem ferrão preferem plantas nativas ao invés de plantas introduzidas, por isso também há uma dificuldade em levá-las para cultivos em outros locais. Para cada tipo de tamanho e formato dessas flores polinizadas por abelhas sem ferrão, você vai ter uma espécie de abelha. Então para a manutenção da biodiversidade, principalmente da vegetação nativa nos trópicos, elas com certeza são fundamentais”, finaliza.
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